No Brasil, a república proclamada a 15 de novembro de 1889 já se havia manifestado em momentos outros de nossa história, como na Conjuração Mineira.
Este evento caracterizou-se como um movimento das elites das Minas Gerais que pretendiam instaurar a república com capital em São João Del Rei.
Os conjurados eram influenciados pelas idéias iluministas do século XVIII. A chama republicana seria encontrada também na Conjuração Baiana (ou Revolta dos Alfaiates), porém com menos intensidade, face a ter sido um movimento de origem humilde.
Por que nós ficamos sendo monarquia na ocasião da Independência?
Uma burocracia aqui se estabeleceu com a transmigração da corte de D. João para o Brasil, e com sua permanência adquiriu privilégios. Estes interesses burocráticos, ao se aproximar a emancipação brasileira, vislumbrada através de fortes indícios, levaram os privilegiados do regime instituído a defender uma situação tal que não os arredasse desta posição. As célebres palavras de D. João VI a seu filho D. Pedro, acerca da possível separação do Brasil, denotavam os interesses portugueses que deveriam prosseguir existindo, ligados e defendidos pela relação pai-filho. Estas palavras, plenas de conteúdo, também indicavam a D. Pedro a opção monárquica, ao invés da republicana que dominava na América.
Como era de se esperar, apoiado pelo Partido Brasileiro de José Bonifácio de Andrada e Silva, D. Pedro fez a Independência do Brasil e através da Carta outorgada em 1824 ficou estabelecido o regime monárquico representativo.
Evitava-se um salto político brusco, unindo-se preceitos conservadores com o liberalismo. Se os demais países americanos obtiveram a república junto com sua emancipação política, nenhum fora, como o Brasil, reino unido à sua antiga metrópole.
Em Pernambuco, o ano de 1824 trouxe nova revolução, a Confederação do Equador, em verdade uma extensão da insurreição de 1817. Seria ela uma república a se implantar no Nordeste.
Se nas primeiras décadas do Império ele esteve, realmente, ameaçado politicamente, foi a partir da abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831, em favor de seu filho menor, D. Pedro de Alcântara.
Tendo o Brasil a necessidade legal de ser governado por regentes, mergulhou, em conseqüência, na chamada “experiência republicana” (1831-1840).
Dizia a Constituição de 1824 que, naquela situação, o poder moderador deveria ser exercido por uma regência trina eleita pelo legislativo. Para cumprir este dispositivo tivemos as regências trinas provisória e permanente. Entretanto, acatando interesses dos liberais, surgiu o Ato Adicional de 1834, estabelecendo-se como norma a eleição de um único regente. Estava, pois, o Brasil, diante de práticas eminentemente republicanas, com a eleição do seu chefe de estado, o regente.
Por que então não se tornava o Brasil uma república?
O período regencial aproximou-nos bastante da república, no entanto, ainda em 1834, os interesses burocráticos, que levaram o país à monarquia, predominavam. Os proprietários de terras e de escravos da região sudeste estavam ainda vinculados à burocracia imperial e eram econômica e socialmente dominantes. A mesma região sudeste, que quisera a monarquia em 1882 e que em 1831 e 1834, freou a possibilidade de nos tornarmos republicanos. Explica-se então por nem a Sabinada na Bahia, nem a Revolução Farroupilha, ambas com ideais republicanos, lograram sucesso.
A “experiência republicana” terminou com o Golpe da Maioridade de D. Pedro II em 1840, que assumiu o poder moderador e afastou a possibilidade de adoção de outra forma de governo. Iria preponderar, de uma vez por todas, a cafeicultura do Vale do Paraíba, que depois se lançaria rumo ao Novo Oeste Paulista (Itu, Campinas, Sorocaba, Jundiaí etc).
Obviamente, só quando os interesses econômicos do Sudeste cafeicultor fossem feridos, pensar-se-ia em mudar o regime.
A revolução Farroupilha, que, apesar do nome, foi levada a efeito por ricos produtores de charque, não teve êxito justamente por estar o centro do poder no Sudeste. Até mesmo o progresso industrial intentado por Mauá na segunda metade do século XIX, iria ser obstaculado por este mêsmo segmento econômico-social, temeroso de possíveis prejuízos advindos da desconhecida industrialização.
O que mudou no Brasil para que adviesse a República?
Foi uma evolução relativamente lenta e lógica, onde os interesses econômicos nortearam os políticos.
Vivia a Nação, na segunda metade do século passado, o apogeu do Império, onde era exercido o “parlamentarismo às avessas”.
Neste diferentemente do clássico, o Imperador escolhia o Conselheiro1 que, forte e centralizador, controlava as eleições para o legislativo. Estas, via de regra, eram repletas de fraudes e censitárias2. Não existia, no Brasil, democracia, e sim liberalismo político. Naquela há o sufrágio universal; neste o voto dos proprietários.
1. Espécie de primeiro-ministro.
2. Somente os proprietários (de terra e escravos) votavam.
A inexistência de democracia foi a bandeira maior usada pela propaganda republicana.
A monarquia começou a sofrer choques com a Guerra do Paraguai (1864-1870), sendo com o término desta localizado o início do ocaso.
Por quê?
Os oficiais que lutaram nessa guerra travaram contato com o regime republicano dos países vizinhos. Muito embora este fato não seja a essência do processo, nele influiria. O fundamental é o surgimento formal da idéia de república no Brasil através do Manifesto Republicano de 1870, redigido pelo paulista Quintino Bocaiúva.
A quem interessaria a república?
Os imediatos interessados eram os “barões do café” do Novo Oeste Paulista, pois dominava entre eles o ideal federalista, que daria autonomia à província de São Paulo, livrando-os da monarquia unitarista. São Paulo tinha o poder econômico e queria, agora, o poder político.
É na mesma época que começa a desmoronar, lentamente, o regime escravocrata.
Em 1871, surge a lei do Ventre Livre, que buscava, em verdade, apenas retardar a abolição. A escravidão era a base econômica da monarquia e no momento em que a escravidão entrou em decadência, o Império começou a claudicar.
Quando em 1888, finalmente a Lei Áurea aboliu a escravidão, deu também fim ao Império. Cita-se o diálogo entre a princesa Isabel e o barão do Cotegipe em que S.A. lhe pergunta: “Então, Barão, consegui, ou não, abolir a escravidão?”, ao que ele responde: “A Srª conseguiu, mas por causa disto vai perder a Coroa”.
A junção de dois eventos, quais sejam a promulgação da lei Eusébio de Queirós (1850), abolindo o tráfico negreiro e as guerras da unificação alemã e da italiana, teria proporcionado o surgimento, no Brasil, mais precisamente no Oeste Paulista, do trabalho remunerado do imigrante, que se mostraria muito mais produtivo que o escravo. Este efeito atuaria sensivelmente na motivação dos “barões do café”.
Podemos inferir que, bem antes da Lei Áurea, a escravidão já não atendia aos interesses de quem detinha o poder econômico nacional - o Oeste Paulista, exportador de café. Por outro lado, a abolição irritaria um outro segmento importante - o do Vale do Paraíba, carente de mão-de-obra negra.
O Exército Brasileiro, por seu lado, já havia, por vezes, demonstrado seu sentimento abolicionista, como na homenagem prestada pelo Tenente-Coronel Sena Madureira, então comandante da Escola de Tiro de Campo Grande, ao jangadeiro cearense Francisco Nascimento, abolicionista como ele. Foi demonstrado ainda pela recusa dos oficiais em perseguir negros foragidos, por não se considerarem “capitães-do-mato”.
A campanha republicana foi uma extensão da abolicionista, e nela encontram-se verdadeiras incoerências, em função dos interesses existentes. É o caso, por exemplo, da caminhada republicana, ombro a ombro, realizada por “barões do café” do Vale do Paraíba e oficiais do Exército. Os primeiros foram escravocratas convictos até 1888, enquanto que os militares, desde muito, abolicionistas. Unia-os a oposição ao Império que desmoronava.
A proclamação da república em 15 de novembro de 1889 foi uma coligação de forças entre a Igreja, atingida pela chamada Questão Religiosa, os proprietários de terra, feridos pela Abolição da Escravatura e o Exército, ofendido ao longo da Questão Militar. Enquanto a Igreja e os grandes proprietários atuavam no campo psicossocial e econômico respectivamente, o Exército era a instrumentalização dos interesses dos três. Todos sabiam que somente através da força militar poderia haver uma mudança abrupta do regime.
No dizer do General Olympio Mourão Filho, a República é fruto de uma gota militar. (MOURÃO FILHO – 1978, 17)
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